Friday, February 23, 2007
 
R.I.P.
James Brown (1933-2006)

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2006 #1
OS ELEITOS...


1. BURIAL "BURIAL"
Existem personagens misteriosas. Personagens do sub-mundo que preferem as sombras da noite, a escuridão do desconhecido, que preferem movimentos discretos mas incisivos.O ambiente soturno acaba por ser o mais atraente neste universo peculiar e único. Poderá se considerados por muitos como o primeiro e último grande disco dubstep, apesar da quase supremacia de texturas negras 2step. É certo que o dubstep ganhou este ano verdadeira visibilidade graças a este disco, mas também certo que o seu autor afastou-se da matriz elementar do género e gerou um universo próprio.

É perturbador, negro e dos raros casos em que a música está em sintonia com o presente e simultaneamente consciente do futuro. É o verdadeiro produto fruto dos nossos tempos, onde os receios, medos e incertezas – talvez resultantes do 11 de Setembro – se identificam e se sentem. Burial um dos misteriosos arquitectos do amanhã e a sua música um espelho que reflecte a pouca luz das nossas cidades. Os baixos são quase subsónicos, os ritmos residuais e arquitectados parecem esqueletos afilados e proporcionados. As harmonias dub alienígenas pintam um manto negro de mistério onde nos deixamos envolver com naturalidade. Burial é, sem dúvidas, o disco do ano!!

2. REKID
"MADE IN MENORCA"

É de difícil catalogação toda esta música mas a house parece ser um dos géneros que mais revela a sua personalidade. O fantasma de Theo Parrish também paira por aqui, mas mesmo assim não é possível encontrar aquela alma característica do músico de Detroit. As cadências lentas caracterizam os ritmos, as melodias evoluem com os ecos do dub, o electro e o funk também marcam ocasionalmente presença...O caldeirão sonoro poderá não vir a ser consensual, por um lado por ser um resultado feito de padrões estranhos ou fragmentos de muita coisa que simultaneamente parecem não ser nada de concreto. Por outro, o que uns poderão achar estranho ou confuso, outros encontrão nesta substância dissoluta, corrupta e sombria a fonte de jubilo que faltava neste ano de 2006. Mais um grande disco! Essencial!

3. DOUBLE D FORCE
"ENFORCE THE FUNK"

Provavelmente condenado a ser um dos discos portugueses do ano. Enforce The Funk força a ideia aventureira de quem procura no electro-funk o ideal que concretize a esperança no hip-hop nacional. Que a aventura compense e possa abrir mais portas a quem tem ideias ambiciosas. Poderemos sempre encarar este trabalho da dupla D-Mars e D-Fine como um dos melhores exemplos em Portugal de uma visão estética muito definida, um exercício de estilo que encontra no electro-funk de 80 a fonte de inspiração e nos meios de produção actuais uma concretização de um velho sonho: uma linguagem própria, madura e com substancia natural que permita colocar o nosso som ao nível do que de melhor se vai produzindo por esse mundo fora. E com esforço e sabedoria tudo torna-se possível...

4. BURAKA SOM SISTEMA
"FROM BURAKA TO THE WORLD"

O confronto directo das cadências vigorosas do kuduro e do techno estimulam a esfera do pensamento humano e incentivam os corpos ávidos por prazer físico. A catalogação não é fácil, mas também acaba por não ser o mais importante, porque a frescura experimental desta música espicaça o íntimo.Buraka Som Sistema é um projecto onde a tecnologia e a tradição não encontram estorvo, antes pelo contrario, deparam-se com frontalidade, extraindo um do outro os elementos necessários que permitam a erecção de uma personalidade com sentido de existência singular. A mais-valia acaba por ser o encontro com um nova essência, uma nova realidade estética nascida em terras lusitanas. Algo invulgar nos dias que correm...«From Buraka To The World» é a prova cabal que nos permite dizer com segurança que há vida própria nas margens da industria musical portuguesa.

5. KODE9 + THE SPACEAPE
"MEMORIES OF THE FUTURE"

Depois da experiência de Burial, Kode 9 & The Spaceape confirmam a tendência para a exploração sonora obscura em torno das linguagens do dubstep. Serão memórias de um futuro apocalíptico ainda por viver? The Spaceape, entre a sanidade e a loucura, parece enuncia-las num tom assombroso enquanto que a música de Kode 9 reforça a ideia enigmática de poderemos vir a ser possuídos por um vírus alienígena. Qual dos dois estará perdido nos mais belos sonhos da paranóia? Provavelmente os dois. Porque a delírio é colectivo e capaz de gerar as ideias mais improváveis, algumas delas expostas com eloquência por entre o negrume dos sons e palavras de The Memories of The Future.

6. JUNIOR BOYS
"SO THIS IS GOODBYE"

É a prova evidente que é possível viver sem os revivalismos ortodoxos de 80, de viver vida própria sem ser refém de maneirismos de outros tempos. Esta música subsiste com referências electro-pop indiscutíveis como OMD, Soft Cell, The Human League ou Depeche Mode, mas a necessidade dos Junior Boys em abrir novas portas e compreender o presente e o mundo que os rodeia, revela alguma sabedoria autodidacta na disposição cerimoniosa dos sons, na forma como gerem o tempo e o espaço e na capacidade de escrever e exprimir os sentimentos. E essa ideia com que ficamos depois de algumas escutas, reflecte uma qualidade na estrutura de pensamento – no que diz respeito à inteligência da composição – que viabiliza toda a operação para além da beleza imediata de todos os temas. E quando me refiro a beleza ponho de parte a ideia de leviandade a que estamos habituados a ver associado o substantivo. Sem espaço para excessos, aqui tudo é belo, sério e melancolicamente doce.

7. NINO MOSCHELLA
"THE FIX"

Stevie Wonder, Billy Preston e os Sly and The Family Stone poderão ser os primeiros nomes a virem à tona da memória de quem toma contacto pela primeira vez com este disco e concluir que, sem grandes margens para dúvidas, que estes nomes são as principais inspirações para o jovem músico de 29 anos Nino Moschella.O ponto de partida é o funk, mas esta música é bem mais abrangente não deixando por mãos alheias a tarefa de explorar as sensações que só a soul e o blues poderão proporcionar. A amalgama é estimulante e a fricção entre uma orgânica acústica e um sincretismo electrónico recorda que a experiência de Multiply de Lidell à um ano atrás não foi um caso isolado e que abriu-se uma nova frente criativa. Apesar da grande maioria dos registos serem lo-fi, ou seja somente o essencial tem espaço para actuar, a irreverencia sobressai quando a matéria clássica é pervertida, uma atitude especulatória que ressalta e sobressai num momento em que todos procuram recriar uma determinada época de perfeição artística.

8. VISIONEERS
"DIRTY OLD HIP-HOP"

Marc Mac, cara-metade do projecto 4Hero, sabe o que faz. É um produtor com conhecimentos suficientes para rodear-se, não só dos instrumentos certos, como dos músicos mais competentes - talvez os mais profissionais para darem forma ao que a sua mente arquitecta - e usar a sua técnica e capacidade única de erguer a música certa no tempo certo, para construir uma série de temas que em nada devem à ingenuidade ou à ignorância.A música não soa conceptual, apesar de o ser. É orgânica, com vida, espírito empreendedor e não se fica por um hip-hop sujo e velho embrulhado em novidades passageiras… Não! Soa convincentemente verosímil, verdadeira no espírito que procura evocar, séria na forma como respeita as tradições tanto do jazz como do hip-hop. Se é sujo ou velho, visionário ou não, ainda bem que seja de tudo um pouco porque da contradição extrai-se uma certeza: ainda há muito a aprender com o passado.

9. SPANKY WILSON & QUANTIC SOUL ORCHESTRA
"I'AM THANKFUL"

Em I’am Thankful, Spanky entrega-se de corpo e alma a toda a música e expõe uma voz segura e de tom portentoso – e que voz esta senhora ainda possui! – enquanto Will recorre a todos os seus conhecimentos do velho filão soul, jazz e funk, tentando assegurar-se que todos os momentos são arrebatadoramente eficazes. Este álbum inclui na sua matriz todos os elementos que, jogados e integrados no tempo e espaço certos, permite concluir que toda a operação é um sucesso encantador onde tradição colide com modernidade. Não se estranhe por isso que Will e companhia ainda estejam na linha da frente de uma linguagem funk de inteligência rara. Muitos poderão achar que a fórmula, além de datada, estará esgotada mas depois de ouvir I’am Thankful é pouco provável que todo o dinamismo live de Spanky e do conjunto liderado por Will Holland, não seja alvo de aplausos, mesmo dos mais cépticos, porque além de um encontro histórico entre duas gerações é mais um marco – como foi Sharon Jones & The Dap Kings e Lefties Soul Connection há pouco tempo – na revitalização estética do género. Já só falta James Brown juntar-se aos Breakestra para o quadro estar completo.

10. TWINSET
"LIFESTYLE"

É precisamente de um estilo de vida de que se trata, tanto na metodologia da elaboração sonora, na recolha e inspiração de referências e na maneira como se apresentam. Distinguem-se essencialmente na maneira como olham a música, as tipologias, sincronizando um ideal jazz que, apesar de clássico, consegue trazer até si a pureza do swing, o calor da bossa e a atitude irreverente do funk num poderoso, apesar de calmo e elegante, manifesto de jazz moderno pensado para o século 21. E é talvez isso torna este álbum tão merecedor da nossa atenção. Não que traga uma mensagem nova ou seja um facto com envergadura de cortar a respiração, mas é precisamente na possibilidade de se poder respirar simplicidade enquanto se ouve a dinâmica e o exercício conceptual de três músicos na forma de encarar o presente, ignorando estereótipos, a proporcionarem ao ouvinte, o prazer de encontrar uma mais-valia estética...

11. BUGZ IN THE ATTIC
"BACK IN THE DOGHOUSE"

«Back In The Doghouse» é um verdadeiro exemplo da experiência profissional e das capacidades de produção dos seus autores. Uma paródia onde a descontracção, o ambiente de confiança entre os elementos e a escrita criativa tornam-se a mais valias que permitem que toda a operação não se perca em futilidades conceptuais ou em facilidades linguísticas.Coerência e consistência acabam por assegurar a sobrevivência de uma obra que já teve melhores tempos para ver a luz do dia. Não estará deslocado do tempo por completo, mas o terreno fértil do broken beat começou a revelar algumas dificuldades e limitações. «Back In The Doghouse» não revitaliza o género, mas essa também não deverá ter sido a prioridade destes senhores, que essencialmente criaram pelo prazer que têm em estar no estúdio e pela honra de explorarem --á sua maneira-- o rico filão que é a música negra.

12. LEFTIES SOUL CONNECTION
"HUTSPOT"

"Hutspot" Poderá não ser na essência um trabalho conceptual, com principio meio e fim, poderá perder um pouco por ser uma antologia, e paradoxalmente ser uma obra maior sem ser a obra-prima do funk actual, fundamentalmente deixa a porta aberta para quem queira continuar a explorar as dinâmicas que o género exige, acabando, acidentalmente, por ser mais uma lição de criatividade artística, num tempo em que as amarras da pop dominam a força da liberdade conceptual e artistica.

13. GNARLS BARKLEY
“ST. ELSEWHERE”

St Elsewhere é um produto do seu tempo, concebido por quem está atento aos tempos da tecnologia. Desperta atenções pela capacidade de captar ideias pequenas e inseguras e transforma-las em substâncias robustas, fundir géneros uns com os outros a um nível quase sub-atomico e por fim revelar alma evitando a exposição excessiva das suas personagens.Há quem possa dizer que se trata da pop do futuro, eu não iria tão longe. Ainda não será o facto estético do ano, apesar de em alguns casos andar bem perto. Poderá é ser uma das agradáveis surpresas de 2006 pela forma como decidiu captar o seu público…

14. FUJIYA + MIYAGI
"TRANSPARANT THINGS"

A eloquência é um trunfo que acaba por triunfar de forma arrebatadora. Por vezes parece música feita por adolescentes, com algum toque de ingenuidade e pureza, jovens que descobrem agora uma forma de homenagear os seus heróis. Na verdade, e repito, os rapazes sabem o que fazem. David Best poderá não ser o melhor vocalista do mundo, mas os seus sussurros sóbrios, atribuem a toda a música uma ideia indubitávelmente firme e confiante. Transparentes e seguros de si, os Fujiya + Miyagi erguem o monumento pop do ano. E digo sem receio de utilizar o rótulo mais indesejado deste milénio.

15. HERBERT
"SCALE"

Os diários sonoros primorosamente produzidos com a habitual perícia manipuladora mantéem-se, recordando-se os melhores momentos de Dr Rockit. A electrónica torcida e retorcida, trazendo à memória as experiências de Wishmoutain, concretiza-se com naturalidade e com a habilidade típica. As melodias acabam por ser características de quem procura à anos, em conjunto com Dani Siciliano, o ideal pop e a inventividade melódica como estímulo para o trabalho quotidiano. O ideal jazz volta a ser revisto à luz de um velho sonho de Big Band.Scale vive muito do conceptualismo em busca do prazer carnal e acaba por não ser uma ruptura com o passado, mas sim um passo em que toda a matéria periférica sucumbe para um centro. Todo o trabalho de anos une-se num único ponto, dando-se assim um nó... Não há falta de inventividade ou de inspiração, apenas a vontade de colocar no centro da acção todas as ideias que motivaram Herbert nos últimos anos, mesmo que para isso tenha de soar mais pop que o habitual.

16. RADIO CITIZEN
“BERLIN SERENGETI”

Será caso para elogiar a capacidade de empreendimento e a força aplicada na forma de tratamento de toda a matéria-prima. O tempo investido nos pormenores é evidente, apesar da sonoridade propositadamente suja e rude sugerir o contrárioO nu-jazz já contou com melhores dias. Mas é evidente que quando o regresso ás raízes devolve a clarividência perdida, o poeta volta a compor rimas com a fluência de outros tempos. Chama-se também de inspiração. E não será outra a palavra que melhor descreve Berlin Serengeti. Bajka é extraordinária, e como se fosse necessário mais, devolve com dedicação o esforço de Niko Schabel, que em permanente convulsão consegue construir um admirável conjunto de temas impecavelmente conscientes dos tempos que vivemos. Um raro momento de iluminação criativa e um dos raros casos onde, uma vez mais, o passado se envolve com o futuro numa promiscuidade invejável.

17. SAM THE KID
"PRATICA(MENTE)"

Eis a confirmação: Sam The Kid é agora o grande senhor do hip-hop tuga. Pratica(mente) revela uma consistência invulgar num género que em Portugal teimava em não revelar todo o potencial. Consciente da sua verdade e da sua poesia urbana, Samuel expõem sem constrangimentos a sabedoria de quem cresceu na rua e nela aprendeu a destituir o bem do mal. Sem ambiguidades e sem receio de experimentar, o passo seguinte foi dado, elevando se agora a fasquia da qualidade para os próximos intervenientes. A brincadeira casual terminou, agora devem entrar os profissionais. A produção nacional não podia ter terminado de melhor forma.

18. ROOT 70
“HEAPS DUB”

Entre o primeiro e último tema, vislumbramos pelo meio a selecção cuidada de algumas produções incluídas em Can´t Cool, Midnight Sound ou Inner Space/ Outer Space que, perante uma nova estratégia de pensamento, ganham nova vida, nova substância e nova envergadura onírica. Heaps Dub é uma viagem séria, profundamente comprometida com os originais, mas distante o suficiente para permitir novas abordagens modernistas e várias visões alternativas para um reportório conhecido pela qualidade do songwriting. No fundo, mais um momento iluminado pela sabedoria e pelo gosto da aventura.

19. SPANK ROCK
"YOYOYOYOYO"

A promiscuidade começa antes de mais por ser uma arma, um meio de ideias soltas e díspares. Poderá dizer-se que da confusão mais cedo ou mais tarde nasce a ordem. E se tivermos a imaginação como caldeirão onde tudo turbilha de um lado para o outro, acabará sempre por ser na mente humana que tudo começará a fazer sentido... mais cedo ou mais tarde. De hip-hop se trata, sem dúvida. YoYoYoYoYo é um desses objectos nascidos de ideias díscolas, da confusão e por fim da fusão de tudo o que inicialmente podia não fazer muito nexo. Arriscar torna-se imperativo desde que haja iniciativa e coragem para concretizar o que outrora se sonhou. Os Spank Rock são um dos nomes essenciais do panorama hip-hop actual e um dos nomes a reter do ano de 2006.

20. SIR SCRATCH
“CINEMA: ENTRE O CORAÇÃO E O REALISMO”

Mais um exemplo de boa produção nacional. Raramente o hip-hop tuga consegue sair de um certo gueto em que os seus protagonistas entraram de forma não intencional. É certo que o boom deu-se e que finalmente o hip-hop produzido em terras lusitanas começa a ser reconhecido e escutado sem qualquer preconceito ou desprezo e que lentamente surge uma linguagem própria, mas a muita produção raramente tem trazido a qualidade que começa a fazer alguma falta nesta fase. A evidente falta de investimento na produção e a excessiva aposta nas rimas tem provocado um desequilíbrio que acaba no entediamento do ouvinte. Sir Scratch parece, logo no primeiro tombo, encontrar o equilíbrio certo. A riqueza da palavra, das rimas, da mensagem acentam de forma ideal numa estrutura rítmica vigorosa que acompanha fielmente uma melodia que evita o loop excessivo. Dos samplers extrai-se a riqueza que vai dando sentido a toda a operação: indagar a realidade com o coração nas mãos.





2006 #2
SE A MEMÓRIA NÃO ME FALHA...


Dubstep: Ano de consagração de um dos mais interessantes fenómenos musicais nascidos nos underground’s de Londres. Não é a cura, mas sim um exemplo de inventividade num meio com pouca vontade de criar. Além de Burial e Kode 9, Benga, Skream, Loefah, Digital Mystik e a colectânea The Roots of Dubstep também marcam o ano.


A resposta ineficiente do estado no combate á corrupção. Ineficiente por incompetência? Ineficiente por realmente não ser uma verdadeira prioridade? Um estado sem moral corrompe um país. E assim não vamos lá.


Ubiquity Records é provavelmente uma das editoras do ano. Revelou uma vez mais conhecimentos de mercado e ecletismo na escolha de músicos e produtores para o seu catálogo: Nomo, Nino Moschella, Radio Citizen ou Owusu & Hannibal. Exemplos de revelações em 2006.



Penalização da pirataria musical. John Kennedy da Federação Internacional da Industria Fonográfica e a SPA chegaram e decretaram o disparate: alertaram os pilhantes que estão sujeitos a receber na caixa de correio um convite para pagar uma multa por desrespeito aos direitos de autor. Talvez a solução passe primeiro por criar-se legislação própria antes de gastar-se dinheiro em selos.


A nova música urbana portuguesa começa a dar passos seguros para um novo nível: a segura experimentação de novas linguagens. Buraka Som Sistema e Double D Force são prova disso. O hip hop tuga conheceu finalmente dois excelentes discos: Cinema... de Sir Scratch e Pratica(mente) de Sam The Kid. Lentamente chegamos lá.



A Flur voltou a revelar-se como uma das melhores lojas de discos em Portugal. O atendimento é simpático e competente. O leque variado de cd´s e vinil permite uma tarde bem passada enquanto desfrutamos das últimas novidades ou recuperamos raridades perdidas.


O lento desaparecimento da imprensa musical profissional. Com excepção dos pequenos suplementos semanais e de bons sites ou blogs, a imprensa musical praticamente desapareceu. O fim do Blitz em jornal semanal e o início de uma ineficiente revista mensal é mais um infeliz episódio de como a qualidade começa a escassear.



Big Apple Rappin: Compilações assim têm de ser obviamente elogiadas, tanto pelo conteúdo propriamente dito, tanto pelo profissionalismo de quem, com um excelente trabalho de investigação, nos proporcionou um documento que agora retrata um determinado período que mudou inevitavelmente o rumo da música popular deste planeta. Uma grande salva para o bom gosto da Soul Jazz Records.


Televisão. O ano Floribella num país de morangos enchafurdados só revela que temos, infelizmente, mais perfil para nação de terceiro mundo do que para país evoluído. Programas sobre música na TV, para variar, são praticamente inexistentes.



Daft Punk no Sudoeste. Na memória de muitos ainda está bem presente o magnífico espectáculo multimédia da dupla francesa. Poderão ter passado o tempo a jogar Playstation, mas o espectáculo foi intenso e majestoso.



PUBLICADO ORIGINALMNTE NO BODYSPACE


SKREAM

SKREAM!
E uma vez mais o dubstep. Da obscuridade para a ribalta, o género tem-se revelado ao mundo como uma das mais interessantes tipologias a imergirem dos undergrounds londrinos. Figuras como Benga, Kode 9, Digital Mystik, Burial ou Skream passaram para a linha da frente, e como principais inovadores estéticos do dubstep, revelaram-se produtores hábeis capazes produzir algumas das mais estimulantes bizarrias sonoras contemporâneas. Certo que os primeiros a atingirem o estatuto de porta-estandarte – Burial e Kode 9 – foram também os primeiros a exporem um dubstep personalizado, com carácter suficiente para atraírem algumas franjas de mercado que olhava com alguma desconfiança, senão mesmo com algum desprezo, para uma série de putos de bairros suburbanos de Londres que brincavam ora com um 404 bassliner ou uma Playstation.

Um desses putos era e é Olli Jones, conhecido agora mundialmente por Skream, que aos 15 anos abandona a escola católica que frequentava em Croydon e decide vender discos na Big Apple Record Shop. A vontade de viver da música já lá estava e, um pouco contra a vontade dos pais decide enveredar pela produção. Depois de conhecer Benga decide levar a tarefa mais a sério e começa compulsivamente a experimentar sons no seu computador. O fascínio por uma sonoridade garage/ 2step obscura, minimal e hipnótica, onde o baixo, a transmitir em baixas frequências, entorpece mais o corpo do que propriamente o tímpano, leva Skream a insistir na fórmula que mais tarde viria a ser a base de “Midnight Request Line”, um dos temas mais influentes na divulgação dubstep ao mundo.

Depois da experimentação e de investidas algo irregulares expostas nos dois volumes Skreamizm é agora a vez da confirmação. E a única forma possível de elaborar trabalho, reunir o pertinente e posteriormente expô-lo como obra conceptual, como obra possuidora de coluna vertebral é com a edição de um trabalho de longa duração. Skream teve naturalmente de esperar pela conjuntura certa para o fazer. Mais, tinha de ter a certeza do que trazia ao mundo e de que forma. Skream! É o álbum de estreia e é também possivelmente
uma direcção que poucos teriam dúvidas que fosse diferente.

Ao contrário de Burial e Kode 9, Skream investe tempo no lado mais radioso do dubstep. Em vez de explorar o lado negro, o vórtice para onde converge toda luz e energia, o jovem Olli prefere expor a força do ritmo, a prepotência do sub-baixo e as melodias inspiradas no dub ou no ragga. E apesar de na primeira escuta tomarmos consciência que por aqui não existe o nervo conceptual de Memories of The Future ou a visão de um Burial, há no entanto um esforço de captar as atenções exteriores para o dubstep através da simpatia, através da descontracção daqueles que apenas pretendem uma noite variada, descongestionada, sem grandes pressões intelectuais. Simplesmente mover o corpo e a mente sem necessariamente ficar possuído pela repetitividade brutal e minimal que por exemplo caracteriza o álbum de estreia de Benga “Newstep” – editado este ano. Por aqui não haverá grandes dúvidas sobre o que deverá ser o futuro do dubstep. E a visão de Skream, apesar de curta, abre porta a outras experiências essenciais para a sobrevivência do género e, claro, do próprio Skream. Não haverá grandes surpresas neste disco, muito menos labirintos enigmáticos ou ideias fortes que tombem os desprevenidos. Mas há alguma espontaneidade inocente de quem se esforçou para trazer á luz do dia um conjunto de temas desenhados para proporcionar prazer.



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SPANKY WILSON & THE QUANTIC SOUL ORCHESTRA
I'M THANKFUL


Porque na história da música em geral ainda rezam alguns feitos de outrora, haverá poucas figuras históricas hoje em dia que necessitarão de grandes introduções formais. Spanky Wilson ainda é uma lenda viva, ainda inspira novas gerações e ainda é capaz de contribuir para o aperfeiçoamento de alguma música produzida actualmente. Ela colaborou com alguns dos mais importantes nomes ligados à soul, jazz e blues dos anos 60 e 70 e a sua presença ao lado de digníssimos como Marvin Gaye, Sammy Davis Jr., Lalo Schifrin, Jimmy Smith, The Duke Ellington Orchestra, Pretty Purdie ou Willie Bobo não passaram despercebidos aos anais da história e, mesmo vivendo hoje em dia uma vida recatada em Paris e admitindo que o seu tempo já lá vai, ainda entusiasma uma série de jovens músicos, produtores e DJ que, fartos da programação do sampler, passaram a olhar para os clássicos de outra forma e a erguer a sua música com outra dinâmica. É o caso evidente do Sr. Will 'Quantic' Holland que não esconde – nem nunca escondeu – as suas referências, ou heróis de adolescente, nomeadamente Spanky Wilson. Não se estranhe por isso que da boca de Spanky tenha saído recentemente um comentário a revelar algum espanto: “I was shocked by this new found interest from new young folks in me”.
O sentimento de admiração de Will levou-o em 2003 a convidar a diva a colaborar em “Dont Joke With a Hungry Man” incluído em Mishaps Happening. Com a certeza que o curto contacto foi um sucesso, esse mesmo sentimento impeliu-o a convidar a senhora uma vez mais. Na mente de Holland estava num trabalho de longa duração. Depois de um momento menos feliz este ano – coma a edição de An Announcement To Answer – Quantic, acompanhado agora pela sua Quantic Soul Orchestra, volta a revelar o talento que tem para a composição, mas especialmente para a forma engenhosa como consegue captar o espírito de outros tempos e enquadrar tudo numa matriz contemporânea. Com o melhor de dois mundos acaba por edificar o seu próprio universo sonoro onde diversas tipologias fazem sentido num único momento. Do choque de gerações é possível extrair-se a mais-valia que acaba por enriquecer não só a música mas a arte em geral. E Quantic sabe disso, daí que a sua habilidade aliada à escrita criativa tenha sido já amplamente reconhecida e hoje admirada por muitos.
Em I’am Thankful, Spanky entrega-se de corpo e alma a toda a música e expõe uma voz segura e de tom portentoso – e que voz esta senhora ainda possui! – enquanto Will recorre a todos os seus conhecimentos do velho filão soul, jazz e funk, tentando assegurar-se que todos os momentos são arrebatadoramente eficazes. Este álbum inclui na sua matriz todos os elementos que, jogados e integrados no tempo e espaço certos, permite concluir que toda a operação é um sucesso encantador onde tradição colide com modernidade. Não se estranhe por isso que Will e companhia ainda estejam na linha da frente de uma linguagem funk de inteligência rara. Muitos poderão achar que a fórmula, além de datada, estará esgotada mas depois de ouvir I’am Thankful é pouco provável que todo o dinamismo live de Spanky e do conjunto liderado por Will Holland, não seja alvo de aplausos, mesmo dos mais cépticos, porque além de um encontro histórico entre duas gerações é mais um marco – como foi Sharon Jones & The Dap Kings e Lefties Soul Connection há pouco tempo – na revitalização estética do género. Já só falta James Brown juntar-se aos Breakestra para o quadro estar completo.


DUBSTEP


Se estivéssemos bem no presente será que era necessesario ter memorias do futuro?

A Hyperdub e o dubstep acabam por marcar o ano 2006. O que começou por ser um movimento underground como tantos outros nascidos nos bairros suburbanos de Londres transformou-se num fenómeno envolto tanto em mistério como em curiosidade. Com a edição do enigmático e soturno Burial, a atenção e as expectativas em torno do dubstep cresceram exponencialmente – não se estranhe por isso que o álbum de estreia de Kode 9 fosse um dos discos mais aguardados do ano. É curioso que de um género como o dubstep, pelo qual poucos davam um chavo, surjam dois dos mais evidentes marcos de inventividade do ano. Dois estímulos negros – e por vezes feios – que nos inquietam a alma e simultaneamente proporcionam um raro prazer de descoberta. Dois futuros clássicos que para já terão de ser classificados como quase obra de arte
Apesar do movimento já contar com quatro ou cinco anos, e ter nascido de um evidente cruzamento entre reminiscências 2step, dub, techno e grime, só em 2005 foi considerado efectivamente um género com potencial suficiente para permitir a impressão de uma marca de autor na matriz e partir para patamares mais ambiciosos que os significativos volumes de vinis de 12” que vão invadindo as lojas especializadas – Hatcha, Youngsta, Skream ou Digital Mystik - ou as meras antologias temáticas – Skreamizm, The Roots of Dubstep ou Dubstep All Stars – que por vezes entram numa espiral repetitiva sem interesse.
Com a edição de Memories Of The Future começamo-nos a aperceber um traço em comum não só com os registos da Hyperdub mas em geral no dubstep: uma linguagem que assenta nos pressupostos inscritos nos títulos dos temas e que desenvolvem uma ideia de tensão urbana, surreal
ista e virtual. Ideias capazes de redireccionar os sentimentos negros da alma humana para um estado ainda mais sinuoso e simultaneamente rogarem por um mundo em declínio enquanto que a sugestão de um futuro já vivido nos assalta a continuidade temporal.
Uma vez mais o universo descrito por Philip K. Dick em "Do Androids Dream of Electric Sheep?" volta a ser o cenário que nos assola a memória. Burial foi dos primeiros a sugerir espaço próprio e a visionar essa memória de forma eficaz, introduzindo novas nuances ao género. Lentamente novos elementos são acrescentados á matriz. Evoluções que desafiam os primeiros traços genéticos para além da estrutura que as Dubstep All Stars nos habituaram e que só mesmo um trabalho individual de longa duração pode proporcionar de forma evidente. Até ao momento poucos se têm-se aventurado para além do formato de 12” - Vex'D, Burial, Boxcutter, Skream e Kode 9 + The Sapceape - mas os poucos que o fizeram evidenciaram estudo, direcção, sensibilidade suficiente para erguer um conjunto de peças capazes de interagir umas com as outras. Das editoras ligadas ao dubstep, apenas a Hyperdub, comandada por Kode 9, têm sido capaz de complementar a lacuna e implementar uma sonoridade onde o objectivo primordial é mistificar o género e mais, atribuir-lhe carácter suficiente para que as redundâncias comecem a soar a um sincretismo eloquente onde presente e futuro assemelham-se ao consciente e inconsciente, ao real e sobrenatural.
Mas será que se trata de uma miscelânea de tensão urbana actual reflectida no dia seguinte? A especulação levada a um extremo onde torna-se difícil a ressurreição dos paradigmas da música actual? No caso da Hyperdub diríamos que sim. Apesar da verdade aparentemente absoluta das mensagens difundias pela editora, e enunciadas num tom fantasmagórico, existem dúvidas naturais sobre, não só os objectos finais, mas o que acaba por sugerir a editora com os elementos erráticos que lança da sua base para o resto da música actual. Burial fá-lo com uma evidência surpreendente e Kode 9 acompanha. Estaremos então perante a desconstrução d
a tradição e a consequente erecção de novos paradigmas ou devemos encarar o trabalho da Hyperdub como pontuais exercícios criativos em torno do próprio dubstep? Questão que o futuro nos responderá com a brevidade que entender ser necessária para classificar uma obra como intemporal ou inconsequente.
Se encaramos a certeza da novidade inscrita nas linguagens do próprio género teremos a satisfação de descobrir um mundo novo, ignorando o impacto da música na cultura urbana actual, mas se o efeito e casualidade forem considerados como indiscutíveis e resultado de uma investigação extensa – como parece ser o caso – ao alongo dos últimos anos, teremos a mesma satisfação, mais a convicção que estaremos perante obras que sobreviverão para alem do sufoco criativo do dubstep.
Para já debrucemo-nos com pouco mais de cuidado sobre a matéria em mãos e retirar algumas conclusões para o imediato. Será inegável que as expectativas foram superadas no que diz respeito aos álbuns de estreia da Hyperbub. Bem como prazer na actual música de dança renovado e, mesmo deixando para depois a resposta à questão sugerida por muitos – sobre o valor da pedrada no charco que ambos os discos representam – o certo é que ambos os discos são factos estéticos nascidos no mesmo laboratório mas com fórmulas idealizadas por gente diferente.





BURIAL
BURIAL
Existem personagens misteriosas. Personagens do sub-mundo que preferem as sombras da noite, a escuridão do desconhecido, que preferem movimentos discretos mas incisivos. Directos, criativos, enigmáticos. Burial perfere explorar o sentimento melancólico de uma cidade embebida na inexistência de esperança, num lado negro da alma sem resistência para vírus maléficos resultantes do stress. Mais empenhado na arquitectura 2step idealizada no início da década, a misteriosa personagem canaliza as poucas imagens de beleza da noite para um vórtice complexo, hipnótico e virtual. Sobrevoa as plantas da canalização do conhecimento urbano com a mesma facilidade que um bimotor sobrevoa uma cidade sem vento. Esforçando-se na mistificação do seu som, sensibiliza-nos para a possibilidade de um iminente apocalipse. Tudo o resto é singular, único, desusado. Os baixos são quase subsónicos, os ritmos residuais e arquitectados parecem esqueletos afilados e proporcionados. As harmonias dub alienígenas pintam um manto negro de mistério onde nos deixamos envolver com naturalidade. Burial é provavelmente o disco do ano. E isso é trabalho de génio louco.

KODE 9 + THE SPACEAPE
MEMORIES OF THE FUTURE
Em Memories of the Future, Kode 9 e Spaceape, num escape iminente para uma dimensão alternativa, sentem uma necessidade, ao contrário de Burial, da viagem para além do interior, uma viagem no continuum temporal. O relato sombrio cataliza a cápsula, atirando-a entre o presente e o futuro. A fricção dos baixos subsónicos sugere uma viagem atribulada. O dub narcótico define o tom misterioso. As cadências, num tom dubstep mais evidente, fazem a indulgência enigmática e determinam a gestão do espaço, da palavra e da melodia. Kode 9 regula-nos os sentidos para estarmos receptivos ao negrume frio e alienígena de quem já se apercebeu que o mundo caminha para o abismo. Podíamos estar perante mais uma banda sonora de qualquer filme sci-fi pessimista e que anuncia o lento fim de tudo o que é vivo, restando máquinas possuídas por rancor e que ficcionam nas entrelinhas das dúvidas e medos tudo o que gostariamos de bom para o porvir. Com o medonho sussurrar de palavras de Spaceape, e do tom catastrófico como anuncia as memórias do futuro, o sopro desconfiado acaba por nos acalentar alma como se, em pleno transe, aceitássemos o aftermath. Talvez o talento inscrito nestas linhas esteja aí: na capacidade de interpretar o futuro e dele extrair sabedoria.



KOOP
KOOP ISLANDS
Será possível estar em dois sítios ao mesmo tempo? As leis da física diriam que não, mas se a nossa imaginação se mantiver fiel ao princípio the sky is the limit, de certo que não haverá qualquer limite para fantasia. O importante será mesmo ignorar as fronteiras delimitadoras entre a realidade e a ficção e deixarmo-nos envolver com os sonhos. Se for possível encontrar a banda sonora que acompanhe um retrato tanto melhor. A música sempre enriqueceu as imagens…
Volvidos cinco anos sobre a edição de 'Waltz for Koop', o duo escandinavo regressa com mais um inocente manifesto fantasioso onde é mesmo possível estar em dois locais diferentes sem sair do mesmo lugar. Uma vez mais isso torna se possível muito graças a extraordinária capacidade de Oscar Simonsson and Magnus Zingmark em compor música que desafiam as leis da física convencional. Ainda bem que alguém o faz, caso contrario teríamos de ficar encalhados para o resto da eternidade num universo excessivamente formatado, quadrado e cinzento e onde todos falam a mesma linguagem.
Koop Islands é um convite dos Koop para embarcarmos numa curta viagem de meia hora com destino à ilha onde tudo se passa de forma quase surrealista. Onde fantasiar acaba por ser um acto praticamente incontrolável. Existe uma estranha onda de calor com origem nas terras frias da Escandinávia que nos aquece o coração numa altura em que o Verão nos abandonou por mais uma ano. Tudo resulta da extraordinária capacidade de compor canções, onde um sincretismo pragmático se transforma numa ferramenta essencial para a transformação de diversas matérias como o swing ao velho estilo big band anos 30, a pop dos anos 60 ou a soul dos anos 70 numa única massa sonora moderna possuidora de uma eloquência formal que literalmente nos deixa siderado.
Será impossível resistir aos encantos de um 'Come To Me' porque não só nos deparamos com a voz irresistível e inocente de Yukimi Nagano, como nos sentimos embalados por um swing hipnótico que nos arrasta para um vórtice temporal onde nos vemos sentados num velho club jazz caratristico da Nova Iorque dos anos 30 instalado numa das praias das Caraíbas. Ou de 'Koop Island Blues' que nos mergulha nas águas quentes do mediterrâneo enquanto no horizonte imaginamos uma cena de amor entre um jovem siciliano e uma qualquer Bond-Girl dos anos 60.
Koop Island mantêm as características de todos os álbuns anteriores dos Koop. Podemos mesmo admitir que não existe diferenças de relevo entre os encantos de Waltz for Koop e este terceiro álbum, mas a forma como nos capta uma vez o espírito, nos conquista a atenção ou revela um natural enlevo místico, deixa nos imbuidos numa luxúria voluptuosidade. Koop Island fará com que ignoremos os princípios elementares de evolução artística que separam os álbuns uns dos outros da mesma maneira como ignoramos as leis da física num universo fantástico, surreal, onde tempo e espaço correm ao sabor dos ventos e marés. Certamente as mesmas brisas e correntes que assolam uma ilha imaginaria algures nos mares do norte. Às vezes o melhor é mesmo deixarmo-nos envolver com os sonhos e esquecermos a realidade…



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LANGOTH

GROUNDING

Viena ainda parece estar a recupar da crise. A falta de objectividade e alguma desorientação estética, aliada a um refrear criativo das principais mentes, atiraram a música austríaca dos últimos tempos para um marasmo onde nem o sol se põe nem a alvorada soa. Os Tosca provaram que, depois de «Suzuki» (2001), não acrescentaram nenhuma mais-valia ao reportório. Os Madrid Del Los Austrias, que em busca de mais amor atormentaram-nos a alma em 2005, decidiram em comum acordo a união de facto com Dorfmeister e mais uma série de outras personagens que lançaram escavadelas em busca de mais minhocas, provaram definitivamente que o toldar da visão de escape eloquente com uma razão pragmática jamais seria solução para um beco sem saída. Kruder afastou-se de Viena e preferiu parcerias em Munique, Stereotyp encontrou em 2004 nos Al-Haca o estímulo para produzir – e agora na soul a vontade de viver –, o Dub Club diminuiu o seu domínio sobre o dub. Raras foram as excepções que, de aos quatro anos para cá, evidenciaram substância e produziram música com matéria de estudo suficiente para captar as atenções dos melhores – e mais atentos – alunos.
Michael Langoth editou em 2003 o seu primeiro álbum. «Sentimental Cooking» foi um dos discos saídos dos laboratórios vienenses que passou despercebido a muitos e que se encaixava na definição alternativa dos downtempo tipicamente Kruder & Dormeister que caracterizavam na altura a cidade banhada pelo Danúbio. Apesar de revelar algum encanto pelos ritmos desacelerados, os embalos jazzisticos e pelos efeitos narcóticos dos dub (em pequena escala), Langoth sonhava com a soul, descomprometida e em busca de novos prazeres. Acrescentando alguns delírios electrónicos eloquentes redefinia à sua maneira a sua própria paisagem. Nem em todos momentos o conseguiu de forma evidente, mas a vontade estava lá. Volvidos três anos edita o seu segundo álbum e, apesar de não se afastar significativamente dos pressupostos iniciais, volta-nos a conquistar a atenção, obrigando-nos, no fim de umas quantas escutas, a um elogio, não muito grande, mas um elogio expressivo. Um indicativo de um resultado satisfatório que revela a mesma alma e vontade em escrever com sentido.
«Grounding» demonstra essencialmente uma música produzida para agradar exclusivamente ao seu autor, ignorando o resultado do impacto num mundo exterior. Não será obrigatório agradar a massas. Antes pelo contrário. O segredo continua a estar na forma como a verdade interior é catapultada para a música e nela integrada o que de melhor sentimos da vida. Por aqui encontramos o gosto pela descoberta de novas ideias, apesar de inovação nem sempre ser um carácter em manifestação. Langoth alarga definitivamente o espectro da sua música á pop e, sentindo-se simultaneamente atraído pela soul com traços mais europeus, renova-se com a espontaneidade necessária. Não atinge todos os patamares com a uniformização exigida, mas o importante será constatar a coerência mínima com que nos confronta num período onde este tipo de sonoridade, num evidente namoro com linguagens jazz, hip-hop, soul e pop, pouco tem revelado senão a preguiça sabática de quem sentou-se no sofá e dele ainda não quis sair.



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KARMA
LATENIGHT DAYDREAMING

A mudança faz parte do processo da vida. Em vários momentos, todos nós já sentimos a necessidade de alterar o percurso de forma a evitar a rotina maçadora. A música, ao longo da historia, provou por várias vezes que ou se muda e evolui-se ou então acaba-se condenado por um sistema que corrói tudo o que é novidade e adapta-se a tudo o que seja pragmatismo cego e corrupto. E mesmo quando a novidade não parece trazer nada de verdadeiramente significante para a humanidade, a simples tentativa de correr algum risco pode ser meritório. Todas as transformações, mutações e metamorfoses na música devem sempre ser alvo de alguma reflexão. Por várias vezes elas foram benéficas na revitalização de determinados projectos, noutras foram o passo decisivo para o abismo da vulgaridade e para o fim de um sonho nascido em dias de sol.
Depois de um período de recolhimento e, perante significativas transformações no seio familiar, os alemães Karma decidiram regressar á produção de música depois de cinco anos de um inesperado silêncio. E o reflexo das mudanças nas suas vidas está bem patente na música que agora trouxeram ao mundo. Primeiro poderá ficar o espanto e depois algum amargo de boca. Latenight Daydreaming é tudo o que não esperávamos de Lars Dorsch e Tom Dams, um álbum light, pop e com poucas sensações. É certo que os Karma sempre demonstraram algum fascínio pelos mecanismos da pop. Thrill Seekers de 2000, apesar do sampler ser ferramenta para a costura de várias memórias jazz, reflectia alguma luminosidade pop enquanto as restantes tipologias acrescentavam envergadura estética á obra. Mas nunca, mesmo nesses momentos de aproximação, davam a entender que o seu futuro passaria por uma investida tão clara pelo formato de canção que agora encontramos em Latenight Daydreaming. A transformação podia exigir-se mas com uma noção de que o reportório anterior teria uma imagem, um som e um carácter. Ou seja, mudar mas manter a identidade que tantos momentos de felicidade proporcionaram no passado. E nesta situação será caso para dizer que a evolução foi precipitada, desmesurada e o fim de um projecto que tinha como motivação desbravar o jazz perante uma óptica modernista. Agora, para que não haja dúvidas, é vez da pop dominar.
Os Karma sempre demonstraram grandes sensibilidades na produção e, apesar do sampler ter sido guardado sem margem para um regresso nos próximos tempos, a dupla demonstra que além das capacidades de organizadores de sons, também são compositores de canções fantasiosas. Em vez da colecção jazz em vinil para base de inspiração, o virtuosismo da canção clássica de 60 e 70 aliada á folk e a alguma neo-soul, transforma os Karma em viajantes sentimentalistas. Os Zero 7, os Air, Braian Wilson ou Terry Callier parecem ser algumas das actuais referências estéticas e, esperando-se mais de quem sabe, que essas referências não fossem tão obvias. Alem da descaracterização de um projecto, fundamental na implementação de novas ideias em torno do jazz, estamos também perante um regresso que nada trás de relevante ao cenário actual da pop. As canções são bonitas, talvez excessivamente polidas, mas raros são os momentos onde existe aceleração cardíaca ou emoções exasperadas. Os momentos são bem orquestrados, mas no fim acaba por haver uma sensação de inconsequência e de desilusão. Mudanças sim, mas assim tantas também não.



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RADIO CITIZEN

BERLIN SERENGETI
O nome do projecto e do álbum começam por sugerir o que motivou o seu autor. Uma certa ideia de globalidade que torna um homem num cidadão do mundo através das ondas do ainda principal motor de divulgação musical. E ainda a uma ideia de que a música será sempre um universo sem fronteiras, onde uma cidade europeia – para onde convergem diversas ideias e tipologias com proveniência bem evidente – pode ser palco para um espectáculo onde tradição colide com modernidade. Berlim será uma dessas cidades e Niko Schabel um dos cidadãos dispostos a incluir na sua música tudo o que de bom veio ao mundo.
Não será obrigatoriamente uma necessidade empírica incluir tudo no mesmo caldeirão, mas é indiscutivelmente uma sensação única quando isso acontece. Mais, quando alguém com desdém, sabedoria e poder síntese o consegue sem inventar nada de verdadeiramente novo mas, num mesmo golpe, exibir-se como produtor tecnicamente inventivo e músico entendido no ofício, aí estamos perante talento puro e possivelmente perante uma obra memorável. Talvez a determinação seja mesmo o que acaba por se destacar nesta viagem sofisticadamente tecnológica pela tradição africana chamado Berlin Serengeti.
Temos de tudo e, quase numa jogada de mestre, tudo faz sentido. Mulatu e Coltrane co-habitam no mesmo estúdio. O funk, dub, Afrobeat, Etno-jazz, post-bop, modal jazz, rock, soul, Brasil, hip-hop e bandas sonoras de filme noir são algumas das tipologias que inspiram o alemão a produzir. Poder conceptual para erguer um facto estético. Será caso para elogiar a capacidade de empreendimento e a força aplicada na forma de tratamento de toda a matéria-prima. O tempo investido nos pormenores é evidente, apesar da sonoridade propositadamente suja e rude sugerir o contrário.
O nu-jazz já contou com melhores dias. Mas é evidente que quando o regresso ás raízes devolve a clarividência perdida, o poeta volta a compor rimas com a fluência de outros tempos. Chama-se também de inspiração. E não será outra a palavra que melhor descreve Berlin Serengeti. Bajka é extraordinária, e como se fosse necessário mais, devolve com dedicação o esforço de Niko Schabel, que em permanente convulsão consegue construir um admirável conjunto de temas impecavelmente conscientes dos tempos que vivemos. Um raro momento de iluminação criativa e um dos raros casos onde, uma vez mais, o passado se envolve com o futuro numa promiscuidade invejável.


PLAN B

WHO NEEDS ACTIONS WHEN YOU GOT WORDS
O amor, o sexo, a família, descriminações raciais e a violência urbana são tópicos habituais no hip-hop. Foi um dos propósitos por detrás da sua génese: proporcionar à gente da rua o direito a expressar-se, dando voz à sua indignação. Todos opinaram, falaram, cantaram ou bradam aos céus as mensagens que achavam pertinentes. E ainda hoje em dia o se faz, para que não haja dúvidas. O que resta saber ao certo é o motivo porque o fazem: será por uma questão de facilidade de comunicação com um público-alvo receptivo a determinadas mensagens ou será porque em todo discurso proverbial existe um conteúdo existencial com figuras e situações reais que perturbam a alma de todos? Será uma questão de fazer rap para o prestígio em vez do diálogo interior perante realidades cruéis? Tudo volta a ser uma questão de postura. Todos pretendem reflectir o estado das ruas desprezadas pela política ou as atitudes violentas ignoradas pela sociedade. É honroso faze-lo enquanto a verdade for uma necessidade do íntimo em vez do mero aproveitamento circunstancial.
No álbum de estreia, Plan B, de guitarra na mão, pregoa ao longo de uma hora, fala de tudo e de forma impressionante acaba por não falar de nada. No entanto fá-lo com a convicção de quem está a transmitir ao mundo – que o quer ouvir – uma mensagem pertinente. E será mesmo a convicção que o salva do desastre completo? Na veemência do palavreado expressa-se com força capaz de fazer parar o trânsito, no entanto existirá algumas dúvidas quanto ao conteúdo. Who Needs Actions When You Got Words revela de boa vontade que a atitude de pregador fica-lhe mal. A preconização excessiva retira-lhe alguma sensibilidade e em vez da mobilização do público com um conteúdo sensivo, impressiona apenas com a forma rude como tenta ser exageradamente incisivo.
A estrutura rítmica, em evidente textura hip-hop, revela-se competente ao ponto de suportar uma guitarra em acordes repetitivos e desinteressantes. Ben Drew – a cara por detrás de Plan B – revela-se assim um músico com poucos recursos técnicos na manipulação do instrumento. O dedilhar das cordas ficaria bem enquanto servisse como mais um elemento gerador de melodia e não um suporte evidente para toda a operação. Na escrita de rimas pode revelar algum talento mediano, o mesmo não se podendo dizer do resto. Alem disso sobressai uma evidente contradição em Who Needs Actions When You Got Words, premeditada pelos vistos, ao tentar atribuir calor humano ao grime. Uma perversão de algo que por natureza nasceu frio e agreste e que seria perfeitamente adequado a suportar aquilo que Plan B desejaria para este disco: rudeza no ditado sobre texturas ásperas. Aí há que admitir: foi um tiro a sangue frio no próprio pé.
Há quem o tenha comparado como uma mistura entre Mike Skinner e Eminen, no entanto nem tem a atitude confiante de um nem a segurança na escrita de outro. Pode ter se inspirado com ambos, mas certo é que ainda não captou a essência necessária a tornar se num músico ou produtor proficiente com a determinação suficiente para sair do seu pequeno bairro de subúrbio e revelar-se como mensageiro de alguma boa-nova. Por enquanto fica-se por um mero pregador de pedras na mão com um recado frágil e delgado.



 
Friday, February 02, 2007
 
BOOZOO BAJOU
JUKE JOINT 2
É inegável um dos motivos porque os Boozoo Bajou vieram ao mundo: tentar colocar no centro de toda a acção o velho e místico delta do Mississipi. Enquanto hoje em dia muitos dos olhares ainda se voltam para a mãe Africa e da sua cultura ancestral extraem alguns dos mais importantes ensinamentos, a voz do velho rio, onde nasceu toda música afro-americana, é relegada para um plano secundário. Com alguma insistência os Boozoo Bajou têm nos recordado da importância do solo sagrado onde nasceu o jazz ou blues e com frequência homenageiam o chão arável onde a contemporaneidade musical começou a tomar forma.
Desde «Satta» que a dupla de Nuremberga não tem feito outra coisa senão tentar enquadrar diversas matrizes sonoras numa única equação. E apesar de ter corrido bem á primeira, as vezes que se seguiram revelaram-se despropositadas ou pouco inspiradas. Aconteceu com «Dust my Broom» ediado em 2005, que com a excepção do elemento canção introduzido na equação, os fundamentos repetiam-se, e agora com «Juke Joint 2», onde Peter Heider e Florian Seyberth se precipitaram nas escolhas e os elementos somados não têm a força para fascinar com a mesma eloquência...
«Juke Joint 2» é mais uma compilação onde os Boozoo Bajou reúnem algum dos temas que os tem estimulado nos tempos recentes. Enquanto que no primeiro tombo reconhecíamos algumas das inspirações para a música do duo, neste segundo tombo alargam a gama a outros géneros para além do dub, reggae, soul ou blues. Não que as novas ou velhas escolhas deixem os cabelos em pé, mas as mãos que reuniram boa parte deste material deixaram de fora certamente o mais importante: a alma. Seria interessante que se aprofundassem as raízes elementares que constituem os gostos ou a escola da dupla em vez da mera exposição de temas por os quais se apaixonaram recentemente.
Não que o elemento mais pop ou o vulgar lounge sejam sempre dispensáveis, mas se a essência do primeiro «Juke Joint», que remetia algum do seu fascínio para os clássicos intemporais, fosse levado mais a sério, ninguém seria forçado a admitir que algumas redundâncias aqui incluídas poderiam ter ficado na gaveta ou simplesmente terem sido expostas num qualquer set da dupla.
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AMP FIDDLER
AFRO STRUT
Uma das primeiras perguntas a surgir é quem é Amp Fiddler? É do conhecimento público que este homem de Detroit, de seu nome Joseph Fiddler, trabalhou com George Clinton nos anos 80 e Prince nos anos 90 e durante esse tempo não se poupou a uma série de ensaios e colaborações. Pessoas influentes que não só lhe enriqueceram o curriculum como lhe abriram definitivamente os horizontes à sua ambição como músico e produtor. A voz e a atitude não passaram despercebidas desde que seu nome passou a estar associado á sua própria música A formação em jazz, o profundo conhecimento das velhas escolas funk e a inegável paixão pela soul, fizeram o resto, transformando este músico num dos mais cativantes nomes a surgirem nestes últimos tempos. Mas se identificar Amp Fiddler num meio sobrelotado é relativamente fácil, complicado será explicar o seu verdadeiro desígnio neste mundo.
Amp Fiddler atinge um novo patamar e revela-se ainda mais engenhoso no segundo álbum. Podemos desde logo reconhecer o talento e admitir que teve uma escola invejável, para logo de seguida elogiar-lhe a escrita criativa. Sim, porque apesar de muita coisa já ter sido imaginada, criada e explorada, ainda há alguém neste mundo com inspiração suficiente a correr-lhe nas veias para trazer à realidade um disco como Afro Strut. E acreditem encontrar alma no funk ou na soul produzidos nos dias que correm não é tarefa fácil. Indagar poderá ser uma tarefa frustrante. Mas quando do desconhecido emergem nomes talentosos que procuram – por vezes sem um esforço muito significativo – um linguagem própria, um estilo que permita distinguir agudeza de espírito da mediania corrente de quem corrompe a essência, aí ouvir música volta a ser um prazer.
Amp Fiddler alimenta-nos o espírito e obriga-nos a reconhecer pelo menos uma verdade, a sua. Não esconde as referências que lhe estão na alma e muito menos tenta dissimular na sua música uma certa substância que alimentava os clássicos. Ele simplesmente acolhe diversas pragmáticas para um núcleo e aí trata a matéria com o sentimento exigido, o seu sentimento. Era esse o engenho de Waltz of a Ghetto Fly (2004) e volta a ser esse o elemento de mais-valia em Afro Strut, a capacidade se síntese e interpretação de diversas linguagens e integra-las num universo próprio.
A verdade acaba também por estar diante de nós, desde que estejamos dispostos a ver e a percebe-la. Fiddler encontrou-a e agora decidiu uma vez mais partilhá-la com o mundo. Não se trata de uma novidade explosiva ou da criação de um marco que alimentará a história nos próximos anos, mas já será um facto bem para além do satisfatório que permitirá a unanimidade no reconhecimento das atitudes e talento de quem na verdade sabe o que quer. E ao segundo álbum não restam dúvidas sobre para onde o autor quer canalizar o seu conhecimento sobre o mundo.

JUNIOR BOYS
SO THIS IS GOODBYE
E não pedíamos mais. Num ano parco em novidades, sem grande história para contar e, o pior de tudo, abundante em redundâncias, chega mais um disco que nos faz parar e pensar um pouco no estado da pop, mas essencialmente na satisfação que ainda consegue proporcionar. À muito que a pop tem pouco para dizer à humanidade mas é bom saber que não está morta criativamente e que ocasionalmente ainda surpreende. A verdade é que a pop com tantas superficialidades procura evitar a introversão a todo o custo. Quase com medo de morte de expor-se nua perante um mundo que a quer ver sempre, resplandecente, vaidosa, cheia de adornos e enfeites desnecessários. Tudo é possível e tudo pode ser concebível e o que nos vale é que nem todos têm uma atitude de prolixidade perante a pop e ainda a tentam dignificar.
Será o caso desta dupla canadiana, Jeremy Greenspan e Matt Didemus, que depois de «Last Exit» e das experiências em torno de linguagens gélidas ligadas ao r&b, fazem-nos chegar um dos melhores exemplos de música pop neste ano de 2006. Há uma tristeza sedutora que nos encanta. Uma música despida de preconceitos, limpa, sensual, melodiosa, mas acima de tudo melancólica. As melodias quentes, firmes, capazes de derreter a robustez enregelada dos ritmos, fazem nos esquecer que são erguidas por máquinas... E talvez aí tenhamos a diferença substancial em relação ao registo de estreia: o pulsar do verdadeiro coração humano num mundo onde máquinas geram sons para nos confortar.
«So This Is Goodbye» é a prova evidente que é possível viver sem os revivalismos ortodoxos de 80, de viver vida própria sem ser refém de maneirismos de outros tempos. Esta música subsiste com referências electro-pop indiscutíveis como OMD, Soft Cell, The Human League ou Depeche Mode, mas a necessidade dos Junior Boys em abrir novas portas e compreender o presente e o mundo que os rodeia, revela alguma sabedoria autodidacta na disposição cerimoniosa dos sons, na forma como gerem o tempo e o espaço e na capacidade de escrever e exprimir os sentimentos. E essa ideia com que ficamos depois de algumas escutas, reflecte uma qualidade na estrutura de pensamento – no que diz respeito à inteligência da composição – que viabiliza toda a operação para além da beleza imediata de todos os temas. E quando me refiro a beleza ponho de parte a ideia de leviandade a que estamos habituados a ver associado o substantivo. Sem espaço para excessos, aqui tudo é belo, sério e melancolicamente doce.
Em «So This Is Goodbye» paira uma estranha sensação onde tudo soa agradavelmente familiar. Mas com o tempo deparamo-nos com uma frescura que suprime vulgaridades e que nos embala a alma. É raro encontrar discos assim, onde excelência estética anda de mãos dadas com inteligência. Talvez por isso este segundo álbum, produzido com uma inesperada elegância, mereça a nossa confiança e respeito num ano triste e com poucas novidades pop dignas de registo. Muito bom.

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THE BEAUTY ROOM
THE BEAUTY ROOM
Por vezes as ideias mais simples são mesmo as que resultam melhor, foi uma das mais-valias em 2001 quando os Zero 7 abdicaram da parafernalha tecnológica e decidiram recuperar alguns princípios de pop electro-acústica perdidos na tradição – e que tiveram em alguma música dos anos 70 a sua principal escola criativa. Do regresso ás raízes acabou por resultar num evidente manifesto pop psicadélico retro recheado de momentos soul e jazz que encantaram o mundo. O sonho, o amor e todo o calor humano fizeram o resto. Talvez aí encontremos os únicos pontos em comum entre os projectos de Henry Binns e Sam Hardaker e agora de Kirk Degiorgio e Jinadu. Os The Beauty Room proporcionam hoje o mesmo prazer que a música de Simple Things em 2001, mesmo que existam diferenças substanciais entre ambos os projectos como a inexistência nesta sala requintada de partículas jazz ou a completa ausência do psicadelismo eloquente que caracterizava o trabalho debutante dos Zero 7. Com o tempo que investimos na escuta deste álbum de estreia, a ideia de comparação desvanecesse-se. No fim acabamos por encontrar alma própria e uma marca de autor definida pela eficiência da escrita de canções e naturalmente pelo profissionalismo de todos envolvidos.
Os The Beauty Room iniciaram as suas actividades à pouco tempo mas no curto espaço que separou a edição do single 'Don't You Know' em 2005 e a edição deste álbum de estreia, este novo projecto de Kirk Degiorgio, que ganhou nova envergadura com a voz quente de Jinadu, chamou imediatamente a atenção de nomes como Gilles Peterson ou de Mixmaster Morris. Jinadu ainda será um nome desconhecido no grande circuito, agora Degiorgio surpreendeu muitos pela viragem abrupta na metodologia de produção da sua música. Ao longo de anos habituamo-nos a ver o homem por de trás de As One como um dos senhores do techno e eram poucos os que imaginavam vê-lo agora como mentor de um projecto pop e capaz de produzir música apurada e de fino recorte como a que ouvimos em The Beauty Room.
Durante as primeiras audições de The Beauty Room muitos poderão rotular esta obra como retro, apesar de no presente haver algumas dúvidas sobre o verdadeiro significado da expressão e em que contexto pode ser usado de forma positiva ou negativa. Mas as designações apenas farão desviar-nos do verdadeiro conteúdo: a boa musica. Com o tempo nada fará abalar a nossa a convicção de que ainda se faz música com o coração nas mãos e que nada nos desmobilizará a atenção de uma produção sem preconceitos, cuidada e simples como a que aqui encontramos. Se é de substância que hoje em dia procuramos na música, aqui encontramo-la ao ponto de nos encantar a alma. O piano, a guitarra acústica, o Fender Rhodes, a soul, as excelentes orquestrações da The Heritage Orchestra ou nomes como Brian Wilson, Steely Dan, CSN&Y, ou outras entidades influentes dos anos 70, contribuem para a envergadura estética da obra e asseguram-nos a credibilidade sonora.
Por vezes não haverá grande necessidade em explicar o que está diante de nós. Primeiro porque logo no contacto imediato com a obra o ouvinte apercebe-se dos intentos dos autores. Segundo porque a principal função da música enquanto arte ainda é proporcionar prazer e não valerá a pena perdermos grandes minutos a fazer longos discernimentos. A alma ainda é quem produz a melhor música. Ponto.


ROOT 70
HEAPS DUB

A estratégia de Hayden Chisholm podia ter passado pela mera remistura – tal e qual a conhecemos hoje – mas preferir reunir um grupo de músicos em estúdio e, não só recriar, reinventar a música de Burnt Friedman provou ser um desafio bem mais estimulante. E como nada acontece sem um motivo, não foi por obra do acaso que Hayden encontrou a música de Friedman antes pelo contrário, a obra do músico alemão, outrora também conhecido pelas manobras de Drome ou Nonplace Urban Field, não é completamente estranha a Hayden: há muito que o mentor dos Root 70 colabora como saxofonista nos espectáculos live de projectos como os Flanger ou The Nu Dub Players. O fascínio pelo espólio original de Burnt levou-o agora a selecionar os seus temas predilectos, convocar os restantes membros do quarteto e editar agora Heaps Dub via Nonplace (ou seja com a chancela de Burnt Friedman himself)
Podíamos estar perante a simples reconstituição mas tendo sido a premissa inicial bem explícita, a reorganização da escrita original e toque de autor foram elementos necessários a concretização em pleno dos objectivos. O próprio Hayden admite que o estímulo esteve na remoção dos elementos electrónicos dos originais, absorver as partículas e assimilar todos os pedaços para uma única massa homogénea onde os instrumentos acústicos fossem os únicos a terem o papel executivo no estúdio. Nem o sampler teve acção na reorganização, apesar de Hayden também admitir que as produções actuais têm muito a ganhar com toda a tecnologia ao dispor dos músicos: “With all those electronic devices surrounding us, there’s so may more possibilities to re-arrange, re-play, re-mix and re-cycle.”
Heaps Dub arranca da melhor forma. “Gets Things Straight” começa por, como o próprio título sugere, esclarecer o ouvinte sobre os intentos de Chisholm, Wogram, Rueckert e Penman na forma como será trabalhada toda a matéria-prima. E se o tema inicial transforma a visão obliqua dos sons de rua de Kingston dos The Nu Dub Players num magnifico exercício de escrita criativa em que, sem que o original desapareça por completo, o jazz impressionista do quarteto acaba por dominar toda a matriz dub com uma luz viva e resplandecente, já o último tema “Nightbeat” opta por uma introversão soturna e suburbana, que prefere a solidão e a dor, que prefere a perspectiva eloquente do sentimento de desespero de uma alma. No fim aderecemos-nos dos contrastes, dos vários sentidos e realidades que enriquessem a música do inicio ao fim…
Entre o primeiro e último tema, vislumbramos pelo meio a selecção cuidada de algumas produções incluídas em Can´t Cool, Midnight Sound ou Inner Space/ Outer Space que, perante uma nova estratégia de pensamento, ganham nova vida, nova substância e nova envergadura onírica. Heaps Dub é uma viagem séria, profundamente comprometida com os originais, mas distante o suficiente para permitir novas abordagens modernistas e várias visões alternativas para um reportório conhecido pela qualidade do songwriting. No fundo, mais um momento iluminado pela sabedoria e pelo gosto da aventura.


www.nilswogram.com/public/project.php?id=5
www.nonplace.de
 
Monday, December 04, 2006
 
DANI SICILIANO
SLAPPERS
Dizem que por de trás de um grande homem existe uma grande mulher. Poderá dizer-se também o inverso. Ou pura e simplesmente achar-se que tudo não passa de mais um disparate imposto por uma sociedade e a sua respectiva cultura para explicar o sucesso de um com uma presença psicológica de bastidor de outra. O importante é explorar o potencial individual e não haverá vergonha em admitir que a ajuda de terceiros possa contribuir para a formação pessoal e o desenvolvimento de carácter.
Apesar da relação conjugal de Herbert e Siciliano permitir uma simbiose perfeita no plano artístico desde 1998, ambos terão chegado à conclusão que a vida criativa partilhada á sombra da mesma árvore teria de terminar de forma a evitar constrangimentos criativos em dias futuros. Ou seja, depois da confirmação de sucesso, chegou a hora para ambos caminharem em novas e diferentes direcções.
Olhando para trás, é inegável a dependência que ambos tinham um do outro: por um lado, a voz sensual, quente e confiante de quem encontrou nos clubes de jazz de São Francisco a escola e, consequentemente, a maleabilidade para moldar as cordas vocais de forma singular; por outro, a inspiração de um músico disposto a romper, com a sua electrónica experimental e eloquentemente rude, os cânones da programação convencional. Ambos necessitavam de um diálogo de personalidades para atingir um determinado patamar e assim realizarem-se artisticamente.
Da parceria nasceram alguns dos momentos mais interessantes que a memória recorda, como «Around the House» ou «Bodily Functions», que sem Dani Siciliano não teriam certamente o mesmo impacto no mundo, como também não podemos esquecer que a electrónica impulsiva de Herbert resultou como o suporte ideal para as ideias por de trás de «Likes…» e agora de «Slappers».
Talvez a dependência tenha-se tornado tão grande que seja indissociável a música de um sem a voz de outra e vice-versa. Daí haver sempre, a cada registo, alguma familiaridade sonora, uma marca com um estilo difícil de confundir. Mesmo agora que foi declarado o fim da simbiose criativa, o novo álbum de Dani acaba por ter em todos os momentos a participação de Herbert e naturalmente os seus traços característicos. E apesar Dani pretender alguma independência criativa e de ter encontrado uma necessidade de assumir o papel de produtora, acabou por preferir a segurança confortável de quem faz esse trabalho com o engenho e profissionalismo exigido.
Para além dos tiques de Herbert, a voz de Dani é segura de si mas também disposta a procurar novos tons e desafiar-se para além do habitual. Ao contrário de «Likes…», «Slappers» revela alguma maturidade criativa e, apesar da electrónica experimental do músico britânico, sempre em exploração individual dos paradigmas do techno e do electro-funk, encontram-se espaços com intimidade onde os sentimentos movimentam-se com liberdade, momentos capazes de outorgar alma e calor humano aos sons frios da electrónica. De certa forma evitam-se algumas coações registadas no primeiro registo que obrigavam a cantora a subjugar-se á matéria sonora de outros. A abertura a uma maior participação de instrumentos acústicos e a investigação de novas tipologias permitem novas possibilidades de exploração no futuro. Um abrir de portas com utilidade na era pós-Herbert.
Desejar-se-ia que este álbum tivesse um traço de autor mais vincado e que todo potencial criativo de Siciliano estivesse exposto em plenitude. Ainda não foi possível e enquanto o fantasma de Herbert pairar sobre a sua voz, nunca encontrará – e por boa que agora seja a impressão de «Slappers» – a base formal para uma completa individualidade criativa.

PUBLICADO ORIGINALMENTE NO BODYSAPCE
 
 
RAPIDINHAS DA SEMANA...

MARC MOULIN
PLACEBO YEARS
Marc Moulin não é um nome estranho e podemos mesmo concordar com os press releases e considerá-lo uma lenda viva. Músico, um dos responsáveis pelos Telex e os Aksak Maboul, jornalista, produtor, Moulin, de origem belga, é um dos homens mais influentes da música europeia. Responsável por uma discografia invejável, edita uma vez mais uma antologia relacionada com a era Placebo. Depois de 1999 ter reunido alguns dos mais importantes momentos desses anos de ouro (entre 1971 e 1974) numa compilação, bem mais completa que esta agora editada pela Blue Note, Moulin continua a explorar o seu próprio espólio e presentear-nos alguma da melhor música por si produzida. A amalgama sonora, onde se encaixam o jazz e o funk, encontra-se tão actual como à 30 anos atrás. Uma música funcional, formal e eloquente onde co-habitam influências de imortais como Jimi Hendrix, James Brown ou Soft Machine. Ouro sobre azul!


MAX SEDGLEY
FROM THE ROOTS TO THE SHOOTS
Só quem não conhece é que não se apaixonou por "Happy". Dois anos volvidos sob a sua edição chega o muito aguardado álbum de estreia. «From the Roots to the Shoots» é o resultado não só do estudo de diversas tipologias como o electro-funk de 80, o disco obscuro de 70, o broken beat de 90 e até mesmo a soul da Motown, bem como um sintoma de algém que encontrou no palco, juntamente com The Shoots, a virtude capaz de encontrar um fio condutor com potencial de seduzir massas. Apesar dessa sedução não ser constante e alguns temas variarem por vezes entre o bom, o interessante e o banal, a produção é segura e merecedora de alguma atenção. «From the Roots to the Shoots» foi forjado com alguma habilidade, mas teremos de aguardar pelo segundo álbum para confirmar o talento de Max e companhia.

CHOKLATE
CHOKLATE
Apesar de ser uma desconhecida entre nós, Choklate conhece e gosta de Portugal desde a visita que nos fez durante este Verão. Visitou e apreciou as nossas paisagens. Mas não deverão ter sido as terras lusitanas que a influenciaram na escrita de tão belas canções soul incluídas neste álbum intitulado com o nome da autora. Choklate chega mesmo a ser uma das mais interessantes e estimulantes revelações da música soul neste ano de 2006. Tendo o hip-hop como suporte para a sua voz, mas uma alma sincera a governar-lhe a pessoa, esta jovem de Seattle revela-se autêntica na atitude perante a vida e empenhada na forma como exprime os seus sentimentos. A alma também canta e não é o r&b patego e narcisista que é produzido na indústria norte americana que dissimulará a verdade. E se Portugal a vier inspirar no futuro, tanto melhor! Um dos discos soul do ano!

STARNGE FRUIT PROJECT
THE HEALING
E agora um dos mais pertinentes registos hip-hop destes últimos meses. Staringe Fruit Project, colectivo onde colaboram Myone, Myth e Symbolyc One, com origem em Waco no Texas, revelam-se através da OM Records de São Francisco. Com o seu estilo, despertaram atenções de gente como Gilles Peterson, ?uestlove dos The Roots e, sem receio, revelaram que Ghostface Killah (com quem já trabalharam), Common ou Erykah Badu são algumas das suas influências. Referências que vivem em «The Healing» e que permitem que a a música de SFP reflicta não só o ensejar da rua mas também o sentimento de quem procura mais essência na vida, relegando para o campo da futilidade desmiolada os excessos da vida de Hollywood. «The Healing» pode não ser a cura para a doença fatal da vaidade mas é um passo bem seguro para encarar a vida de forma abrangente, para além do universo do dinheiro, jóias, da inveja, de falsos amores. Não cura mas é no fundo o início duma terapia de personalidade.
 
 
DJ SHADOW
THE OUTSIDER
CUT CHEMIST
THE AUDIENCE´S LISTENING
Há dias melhores que outros. Dias em que inspiração e imaginação correm de mãos dadas, lado a lado, em busca do fito. Perseguem um objectivo num mundo complexo. Procuram um sentido para a existência da arte dos seus autores. Mas também há dias em que tudo de positivo arreda-se de um músico ou produtor, deixando á mercê da desorientação, vulnerável a factores negativos. Momentos em que a sabedoria desvaira e deixa a arte na rua da amargura, sem paixão, fria e sem destino. Poderei estar a ser excessivamente dramático, mas há casos que merecem uma pequena reflexão, como «The Outsider» ou «The Audience’s Listening», álbuns que sobrevivem entre a fonteira do bom e do mau apesar do talento reconhecido dos seus autores.
Fica-se por saber, perante o primeiro contacto, se o defeito será da falta de ideias dos autores ou da expectativa exagerada do ouvinte. Sim, porque quem ouve tem um papel fundamental no discernimento da obra. Há casos evidentes em que o produto não tem qualquer essência e aí as conclusões são imediatas. Mas há casos mais sérios em que o autor não consegue arrumar múltiplas ideias no lugar certo e acaba por condenar a obra à confusão e à desorientação estética. E que papel terá o ouvinte nestas situações? Provavelmente, e especula-se, fazer o trabalho que o músico não conseguiu: dar sentido a tudo!
Em primeiro, poderá ser discutível as ideias e as intenções por detrás de «The Outsider» ou «The Audience’s Listening». Ambos os autores são produtores experientes e ambos movimentam-se no meio com um evidente e indiscutível reconhecimento. Mas será que nesta fase onde se exigiria afinco na sua música, eles simplesmente perderam a noção da quantidade de ideias e amontoaram uma série de músicas num CD sem se preocuparem com a sua caractrização? Muitas ideias, não é sinal de qualidade! É verdade, e uma vez mais a expectativa pode ser inimiga da arte, que um publico com desejos poderá não entender as orientações estéticas de um artista. No caso destes dois trabalhos será pertinente nos interrogarmos se existe uma orientação estética? E aqui a resposta poderá ser mais simples: Não!
Em segundo, a questão não será tanto saber qual o estado clínico da imaginação ou inspiração destes senhores ou compreender a ânsia do fã mas sim saber se tanto no caso de Dj Shadow ou Cut Chemist há ideias fortes que sustentem os trabalhos. Não! Definitivamente, não.
Fazer-se uma obra conceptual não está ao alcance de qualquer um. Também não se exigiria tanto destas personagens do hip-hop underground norte-americano, apesar da experiência e profissionalismo acumulado nestes últimos anos intima-los a produzir música séria, verdadeira e com essência.
Mas será que apesar da pobre orientação estética por detrás destes trabalhos não haverá música com qualidade? Haverá com certeza. Mas como um álbum funciona como todo, como um conjunto de músicas todas elas obedecendo a uma ideia e a uma série de coordenadas, não pode haver espaço para temas que apesar de todos eles produzidos pelo mesmo músico, em nada se identificam com outros temas incluidos no mesmo álbum. Acaba por ser um tiro no pé: as músicas anulam-se umas ás outras! Este será o principal e grande problema de «The Outsider» de DJ Shadow. Um álbum com bons temas mas que se descaracterizam uns aos outros. Como será possível que temas com uma qualidade indiscutível como 'Seein Thangs' e 'Backstage Girl' co-habitem no mesmo espaço? Talvez em álbuns diferentes, mas nunca no mesmo! Para não falar de um alinhamento descuidado que permite que se criem grupos e estilos distintos no mesmo álbum! Josh Davis já devia saber mais; e apesar da ideia de termos um Shadow abrangente, transversal, versátil, independente, com intentos de manter-se afastado de ondas de mercado, a verdade é que o resultado final leva-nos a concluir que estamos perante um «The Outsider« mal destino, ambíguo e desordenado.
Apesar de num estilo diferente, «The Audience’s Listening», com um Cut Chemist a mostrar mais os dotes no turntablism do que propriamente caracter na produção, a ideia que também fica é de confusão e ambiguidade. A pilhagem sonora é interessante mas desabrida e tempestuosa. Não há uma única ideia substancial a reter deste «The Audience’s Listening«, nem sequer um motivo que leve a audiência a parar para ouvir com muita atenção o que por aqui há para dizer. Estranho vindo de um DJ reputado como Lucas Macfadden, produtor de projectos como Unity Committee, Jurassic 5 ou Ozomatli, e envolvido no hip-hop underground de Los Angeles desde o início dos anos 90. Esperar-se-ia mais cuidados de produção, engenharia sonora que revelasse menos rudeza e no essencial alguma essência que levasse as suas ideias por diante e para além de alguma ingenuidade despropositada que intencionalmente revela e que em nada beneficia a elegância.
Espera-se no futuro algumas certezas porque aqui não encontramos nada senão pontuais momentos de prazer. Momentos com algum engenho. Essencialmente deparamos-nos com ambiguidades em grande escala, ideias perdidas, inspirações defraudadas ou extraviadas nos becos da imaginação. Perfeitos momentos de desorientação estética e raciocínios discúlos sintomáticos do excesso de ideias. Há que arrumar melhor a "casa" antes de chamar os "convidados"!
 
 
CASSIUS
A TENTATIVA DE REVIVER OS 15?
O tempo é desde á muito uma verdadeira preocupação para a humanidade: Datar objectos, calendarizar situações. O homem aprendeu a viver obcecado com os anos de pessoas e objectos, com as idades de todas as civilizações, com eras de ouro, com épocas de desenvolvimento e prosperidade. E desde sempre tem procurado a fonte da juventude numa tentativa, ora recorrendo à ciência ou ao oculto, de viver para a eternidade.
É essencial o entendimento do tempo no espaço que nos rodeia e a forma como nos deslocamos, disso depende a evolução. Mas quando as ideias se confundem e constantemente recorremos à tacanhez que obriga o reconhecimento do passado em detrimento das evoluções incompreendidas do presente, algo está errado. E tentar viver no passado não será certamente a solução. É meritório reconhecer que o presente em tudo deve ao passado e o que somos hoje deve-se a acções de outrora. Elogiar o passado e dele extrair sabedoria não é crime, antes pelo contrário é salutar. Já será pecado ignorar as maravilhas da era tecnológica e não atribuir-lhe o valor ou papel que terão no futuro.
A música tem vindo a viver desse dilema que encalha muita gente no passado e que se esquece da necessidade de evoluir, de atingir novos patamares. Será bom recordar que a evolução não está, nem poderia estar, ao virar de cada esquina. Muito menos pressionar ou obrigar todos os músicos a inventar paradigmas a cada álbum. Mas um pequeno esforço criativo não prejudica ninguém! A verdade é que a industria pop do presente, e talvez sempre tenha sido assim, vive da novidade. Há uma necessidade de renovação constante que não permite a digestão correcta de todos os elementos. Será o tempo inimigo da arte? Em muitas ocasiões precipitadas, sim! E não se vislumbra solução para este problema nos próximos tempos.
A correria é tão grande que muitos músicos aprenderam as primeiras notas com uma idade, formaram uma banda com outra, assinaram contractos na idade madura e fizeram carreira da melhor maneira possível. E na verdade, cada passo que deram em frente a conjectura ou preparava-se para mudar, ou já uma série de factos encontravam-se consumados. O tempo não pára, ou encontramos o nosso lugar ou então arriscamo-nos a tropeçarem sempre que um novo juízo é formado. Sempre que uma nova moda dita o rumo a tomar no futuro.
Na música produzida presentemente é impossível não encontrarmos marcas do passado. É inevitável. Mas a obsessão que forma os revivalismos apenas revela que muitos desistiram de tentar ou simplesmente decidiram hibernar e esperar pela próxima evolução. Será agora o caso dos franceses Cassius, que resolveram reviver os tempos rebeldes da juventude? O título denuncia tudo!
O trajecto de Bombass e Zdar é bem conhecido. Depois dos La Funk Mob, e aventura pelos sons abstractos do hip-hop, o duo iniciou actividades oficialmente como Cassius com a edição de «1999» em plena era de florescimento french touch, tendo sido conotados com o movimento um pouco contra a sua vontade. Daí em diante não se pouparam a esforços para desviarem-se do rótulo que agora tornou-se maldito. Ao terceiro álbum confirmam algumas ideias iniciadas em «Au Rêve» e empenham-se por completo na exploração dos sons pop, electro e house de 80, tendo daí extraído a energia e a matéria-prima para a sua nova música. Sinceramente, depois de «Sexor» de Tiga, começa a não haver muito mais espaço – não contando a paciência – para as pouco abastardas investidas nos revivalismos relacionados com a década de 80.
«15 Again» vive da atitude algo rebelde do punk de Zdar e por um breve instante quase nos convence dos seus intentos. Depois de mais algumas escutas concluímos que num alinhamento de 12 temas apenas metade tem história para contar. E dessa metade três temas têm alguma substância. Não exigíamos com a transformação uma viragem tão acentuada que pudesse por em risco a própria identidade de um projecto – que nasceu para as pistas de dança e que agora produz canções com algum apelo radiofónico. Haverá momentos de agrado perante um “La Notte” ou “Jackrock” – o único e verdadeiro instante onde rompe um acid-house capaz de catapultar os cépticos para o centro da pista. Mas na maioria encontramos golpes inócuos como “Rock Number One” ou “15 Again” ou ímpetos que suscitaram muito pouca empatia. Mas há um momento em particular que não lembra ao diabo como a indescritível aberração chamada “Eye Water” onde colabora o pouco inspirado Pharrell Williams. Em termos de avaliação global, não há mais nada que possa entusiasmar ou algo mais a acrescentar a toda a história electroclash (e companhia) já contada até ao momento. Talvez este «15 Again» venha tarde em relação aos movimentos revivalistas de 80 que, felizmente, começam a dissipar-se.
A idade da dupla deveria proporcionar-lhes mais coerência a nível estético e alguma contenção na viragem. Mas a tentação de reviver a juventude dos 15 talvez lhes tenha toldado o juízo e precipitado algumas ideias inconsequentes para brincadeiras completamente desajustadas. A rectidão de uma imagem – no qual envolvem a sua sonoridade – cultivada certamente com o objectivo de atribuir credibilidade a uma música, cada vez mais pensada no palco em vez da discoteca, não chega para compensar a descaracterização de todo o projecto.
PUBLICADO ORIGINALMENTE NO BODYSPACE
 



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    "De todas as artes que conseguem crescer no solo de uma dada cultura, a música é a última das plantas a germinar, talvez porque é a mais interiorizada, e, por conseguinte, aquela cuja época vem mais tarde é o Outono e a desfloração dessa cultura. A alma da Idade Média cristã encontrou a sua expressão mais acabada na arte dos mestres holandeses: a arquitectura musical por eles elaborada é a irmã póstuma, não obstante legí­tima e igual em direitos, da arte gótica. Foi na música de Haendel que tomou forma musical aquilo que de melhor havia na alma de Lutero e dos seus, esse acento judaico-hebráico que deu á Reforma um certo ar de grandeza: o Antigo Testamento faz música, o novo não. Mozart, o primeiro, restituiu em metal soante todas as aquisições do século de Luí­s XIV e a arte de um Racine e de um Claude Lorrain. Há na música de Beethoven e de Rossini que a melodiosamente respira o século de XVIII, o século do devaneio, do ideal destruído, da fugaz felicidade. Toda a verdadeira música, toda a música original, é um canto do cisne. Talvez a nossa música moderna, seja qual for o seu império, e a sua tirania, tenha diante de si apenas um curto espaço de tempo, porque surgiu de uma cultura cujo solo minado rapidamente se afunda, de uma cultura que em breve será¡ absorvida."
    Friedrich Nietzsche In Nietzsche Contra Wagner.


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