DANI SICILIANOSLAPPERS
Dizem que por de trás de um grande homem existe uma grande mulher. Poderá dizer-se também o inverso. Ou pura e simplesmente achar-se que tudo não passa de mais um disparate imposto por uma sociedade e a sua respectiva cultura para explicar o sucesso de um com uma presença psicológica de bastidor de outra. O importante é explorar o potencial individual e não haverá vergonha em admitir que a ajuda de terceiros possa contribuir para a formação pessoal e o desenvolvimento de carácter.
Apesar da relação conjugal de Herbert e Siciliano permitir uma simbiose perfeita no plano artístico desde 1998, ambos terão chegado à conclusão que a vida criativa partilhada á sombra da mesma árvore teria de terminar de forma a evitar constrangimentos criativos em dias futuros. Ou seja, depois da confirmação de sucesso, chegou a hora para ambos caminharem em novas e diferentes direcções.
Olhando para trás, é inegável a dependência que ambos tinham um do outro: por um lado, a voz sensual, quente e confiante de quem encontrou nos clubes de jazz de São Francisco a escola e, consequentemente, a maleabilidade para moldar as cordas vocais de forma singular; por outro, a inspiração de um músico disposto a romper, com a sua electrónica experimental e eloquentemente rude, os cânones da programação convencional. Ambos necessitavam de um diálogo de personalidades para atingir um determinado patamar e assim realizarem-se artisticamente.
Da parceria nasceram alguns dos momentos mais interessantes que a memória recorda, como «Around the House» ou «Bodily Functions», que sem Dani Siciliano não teriam certamente o mesmo impacto no mundo, como também não podemos esquecer que a electrónica impulsiva de Herbert resultou como o suporte ideal para as ideias por de trás de «Likes…» e agora de «Slappers».
Talvez a dependência tenha-se tornado tão grande que seja indissociável a música de um sem a voz de outra e vice-versa. Daí haver sempre, a cada registo, alguma familiaridade sonora, uma marca com um estilo difícil de confundir. Mesmo agora que foi declarado o fim da simbiose criativa, o novo álbum de Dani acaba por ter em todos os momentos a participação de Herbert e naturalmente os seus traços característicos. E apesar Dani pretender alguma independência criativa e de ter encontrado uma necessidade de assumir o papel de produtora, acabou por preferir a segurança confortável de quem faz esse trabalho com o engenho e profissionalismo exigido.
Para além dos tiques de Herbert, a voz de Dani é segura de si mas também disposta a procurar novos tons e desafiar-se para além do habitual. Ao contrário de «Likes…», «Slappers» revela alguma maturidade criativa e, apesar da electrónica experimental do músico britânico, sempre em exploração individual dos paradigmas do techno e do electro-funk, encontram-se espaços com intimidade onde os sentimentos movimentam-se com liberdade, momentos capazes de outorgar alma e calor humano aos sons frios da electrónica. De certa forma evitam-se algumas coações registadas no primeiro registo que obrigavam a cantora a subjugar-se á matéria sonora de outros. A abertura a uma maior participação de instrumentos acústicos e a investigação de novas tipologias permitem novas possibilidades de exploração no futuro. Um abrir de portas com utilidade na era pós-Herbert.
Desejar-se-ia que este álbum tivesse um traço de autor mais vincado e que todo potencial criativo de Siciliano estivesse exposto em plenitude. Ainda não foi possível e enquanto o fantasma de Herbert pairar sobre a sua voz, nunca encontrará – e por boa que agora seja a impressão de «Slappers» – a base formal para uma completa individualidade criativa.
PUBLICADO ORIGINALMENTE NO BODYSAPCE