DISCOS DE VERÃO
Agora que o calor do Verão aperta e o vício da praia nos compele a banhos em vez da escrita de posts, aqui fica uma lista de discos que deverão ser ouvidos com tempo e a atenção necessária. Partindo naturalmente do pressuposto que, tal como eu, estão de férias... oiçam esta música no carro, em casa ou enquanto estiverem "espraiadinhos". Um leitor mp3 poderá ser uma excelente companhia. Aproveitem o tempo para por a discografia em dia.
Aqui ficam as primeiras sugestões para uma possível banda sonora estival:
DOUBLE D FORCE ENFORCE THE FUNK
Provavelmente condenado a ser um dos discos portugueses do ano. Enforce The Funk força a ideia aventureira de quem procura no electro-funk o ideal que concretize a esperança no hip-hop nacional. Que a aventura compense e possa abrir mais portas a quem tem ideias ambiciosas.
Poderemos sempre encarar este trabalho da dupla D-Mars e D-Fine como um dos melhores exemplos em Portugal de uma visão estética muito definida, um exercício de estilo que encontra no electro-funk de 80 a fonte de inspiração e nos meios de produção actuais uma concretização de um velho sonho: uma linguagem própria, madura e com substancia natural que permita colocar o nosso som ao nível do que de melhor se vai produzindo por esse mundo fora. E com esforço e sabedoria tudo torna-se possível...
SIR SCRATCH CINEMA: ENTRE O CORAÇÃO E O REALISMO
Mais um exemplo de boa produção nacional. Raramente o hip-hop tuga consegue sair de um certo gueto em que os seus protagonistas entraram de forma não intencional. É certo que o boom deu-se e que finalmente o hip-hop produzido em terras lusitanas começa a ser reconhecido e escutado sem qualquer preconceito ou desprezo e que lentamente surge uma linguagem própria, mas a muita produção raramente tem trazido a qualidade que começa a fazer alguma falta nesta fase. A evidente falta de investimento na produção e a excessiva aposta nas rimas tem provocado um desequilíbrio que acaba no entediamento do ouvinte. Sir Scratch parece, logo no primeiro tombo, encontrar o equilíbrio certo. A riqueza da palavra, das rimas, da mensagem acentam de forma ideal numa estrutura rítmica vigorosa que acompanha fielmente uma melodia que evita o loop excessivo. Dos samplers extrai-se a riqueza que vai dando sentido a toda a operação: indagar a realidade com o coração nas mãos.
NINO MOSCHELLA THE FIX
Stevie Wonder, Billy Preston e os Sly and The Family Stone poderão ser os primeiros nomes a virem à tona da memória de quem toma contacto pela primeira vez com este disco e concluir que, sem grandes margens para dúvidas, que estes nomes são as principais inspirações para o jovem músico de 29 anos Nino Moschella.
O ponto de partida é o funk, mas esta música é bem mais abrangente não deixando por mãos alheias a tarefa de explorar as sensações que só a soul e o blues poderão proporcionar. A amalgama é estimulante e a fricção entre uma orgânica acústica e um sincretismo electrónico recorda que a experiência de Multiply de Lidell à um ano atrás não foi um caso isolado e que abriu-se uma nova frente criativa. Apesar da grande maioria dos registos serem lo-fi, ou seja somente o essencial tem espaço para actuar, a irreverencia sobressai quando a matéria clássica é pervertida, uma atitude especulatória que ressalta e sobressai num momento em que todos procuram recriar uma determinada época de perfeição artística.
DJ KICKS: FOUR TET
Depois do pouco interessante Exclusives, a !K7 retoma a série seria de DJ Kicks e Kieran Hebden é o 26 convidado. Músico competente que procura nas franjas distantes do mapa musical o som certo para edificar a sua música, Kieran é o homem por detrás do projecto Four Tet, tendo-se recentemente envolvido com o mítico Steve Reid, resultando The Exchange Sessions, editado à pouco tempo.
Desta vez convidado a seleccionar mais um DJ Kicks, Four Tet é no mínimo ecléctico nas escolhas e variado nas opções; jazz, rock, electrónica, house, hip-hop, soul e nem África é esquecida, num alinhamento de vinte temas que tem como protagonistas gente como Syclops, Curtis Mayfield, Stereolab, Animal Collective, Akufen ou Cabaret Voltaire.
Com uma mística própria, Four Tet envolve-nos com alguma da música que o tem inspirado nestes últimos anos. A ouvir.
PRETZ SOUNDCASTLES
Pretz é o nome do novo projecto de Neil Cowley, mentor de Fragile State e colaborador dos Zero 7 em Simple Things. Pretz é nome de uma iguaria japonesa semelhante ao pretzel ocidental, um pauzinho salgado usado normalmente como aperitivo. Que importa isso para o caso? Nada, apenas que este Soundcastle é ele próprio um acepipe muito confeccionado de gostos variados e requintados, assentando na mesma receita do projecto Fragile State. A pop é instrumental, emotiva, que rasga a convenção, mas que não despreza a simplicidade só porque ela é simples. As atmosferas são radiantes, os sons tem um poder onírico relembrando que esta música é feita onde os sonhos tomam forma. O único problema em toda esta operação é que não há nada que verdadeiramente distinga este projecto de Fragile State. Alias se em vez de Pretz estivesse Fragile State ninguém daria pela diferença. A produção é exuberante, equilibrada, eloquente e luminosa, mas a novidade não acompanha tão belíssima música. O que também não é propriamente um drama, mas também não é um facto de mais-valia!